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Dicas Camilo e Monteze

#DireitoDelas: Grácia Monte Barradas

#DireitoDelas Ao expor, sem vergonha ou medo de julgamento, o drama vivido na prisão de grades invisíveis de seu casamento “da vida toda” e as consequências que esse abuso físico e psicológico teve, inclusive em sua vida profissional, Grácia Monte Barradas, de 59 anos, acredita assim estar ajudando outras mulheres a também se libertarem. Mãe de quatro, avó de três e orgulhosa de seus 110kg, a tributarista criou, em 2018, o Amar, grupo de apoio inicialmente vinculado à Caarj que se reunia na OAB Méier e hoje se mantém de forma independente. O resgate de sua auto-estima passou pela abertura de um escritório próprio junto com uma das filhas, aulas de direção (o marido nunca permitiu que ela dirigisse), ensaios sensuais e até uma estreia na literatura erótica. “Curando as outras estou curando a mim mesma”, diz. ♀ #8M   Depoimento a Clara Passi Foto: Bruno Marins   “Eu o conheci em 1979, aos 19 anos, na cantina da faculdade. Eu fazia Direito e ele, Economia. Sou de Itaboraí, uma cidade pequena, e vim estudar no Rio, carregando todos os medos que minha mãe me punha. De repente, encontro aquele homem lindo, alto, de bigode, um galã. Fiquei muito apaixonada, perdi minha virgindade com ele. Eu me perguntava o que ele teria visto em mim, uma moça da roça.   Já no início do namoro, ele me cercava de forma que eu não podia mais conversar com meus colegas sem que ele fizesse cara feia, virasse as costas e fosse embora. E eu ia atrás dele. Ele impunha uma escolha. Algo sutil, não dito. Essa escolha começou depois a afetar até meus familiares.   Nos casamos em 1984, eu estava grávida do meu primeiro filho. Entre os vários atos de violência psicológica e física que sofri está o aborto daquele que teria sido nosso primogênito, ainda na fase do namoro. Quando engravidei pela segunda vez, ele tentou me convencer a abortar novamente, mas não aceitei. Tive apoio da minha mãe e, finalmente, nos casamos.   À época, era empregada de uma multinacional e ele, contador. Deixei o emprego e passei a viver exclusivamente para ele, fazendo de tudo no escritório de contabilidade que montamos em casa. Passei a trabalhar naquilo que ele fazia. Tornei-me muito boa naquilo que ele fazia. Deixei a advocacia, que virou uma acessório em relação ao trabalho de contabilidade. Mas “por trás de um grande homem há uma grande mulher”, então eu ficava feliz que ele evoluísse.   Deixei de recolher minha Previdência Social, porque ele achava bobagem que eu recolhesse também. A conotação era de que ele estaria cuidando de mim. Eu me achava a mulher perfeita, não o incomodava. Ele que comprava minha lingerie, umas calças meio masculinas na liquidação do mercado. Se eu quisesse uma roupinha melhor, pedia à minha irmã.   Ele me queria só para ele, para o trabalho com ele. Não para eu ser uma mãe dedicada. De tanto que me fazia trabalhar, não tinha direito de descansar durante as gestações, ao resguardo ou a tempo para o pré-natal. Meus filhos tiveram que morar com as avós por alguns anos, sinto que fui omissa. Olhei mais para meu ex-marido do que para eles. Não me dava conta de que eu estava numa prisão de portas abertas, sem autonomia.   O que me mantinha no casamento? Principalmente baixíssima auto-estima.   O estalo veio quando ele se viciou em site de encontros e me traiu. Acabei perdoando.  Mas durante os enfrentamentos sobre a amante, começaram as agressões físicas. Ele tinha crises, um demônio dentro dele. Quando me deu um soco no rosto, fui à Deam [Delegacia de Atendimento à Mulher], demorei muito a ser atendida e desisti. Não me identifiquei como advogada. Depois, voltei lá incentivada por uma amiga da OAB Mulher e registrei a ocorrência.   Ele, então, começou um relacionamento sério com outra mulher e resolveu levá-la para dentro da casa que construímos juntos. Fui morar com meus filhos no segundo andar. Ele tirou minha chave, com todas as minhas coisas lá dentro. Não satisfeito, queria colocá-la também no escritório. Se eu ligasse o ar-condicionado, ele berrava lá de baixo, ameaçando desligar o disjuntor, controlava o tempo que eu passava com a televisão ligada. Dizia que estava “permitindo” que eu morasse lá. Entrei com pedido de pórcio com uma tutela de urgência para minha saída de casa.   Caí doente com endometriose. Fui para o hospital arrasada, pronta para morrer. Mas, depois que eu tirei meu útero, por incrível que pareça, eu me senti mais mulher. Pensei: já que não morri na cirurgia, quero viver, quero descobrir quem eu sou.   Eu tinha carteira de habilitação desde os 21 anos, mas ele não me deixava dirigir. Tomei aulas e fiz questão de comprar um carro 0km, vermelho, para chamar bastante atenção. Quis carro novo porque ele dizia que eu ia bater num poste ou ficar enguiçada.    Abri com minha filha um escritório de advocacia, mas ainda fico angustiada nessa nova fase profissional. Ele me tirou tudo, até minha identidade.   Ninguém fala sobre violência psicológica, você não tem onde buscar acolhimento. Daí, elaborei o projeto do Grupo Amar para preencher essa necessidade. São 15 assistidas. Curando as outras estou curando a mim mesma.   Pulei de parapente. Amei. Comecei a fazer viagens curtas, para sentir como era botar meu pé para fora do portão. Passei a explorar minha sensualidade, escrevendo poesias e contos eróticos e até publicando em uma coletânea. Fiz um ensaio boudoir[ensaio fotográfico inspirado em um estilo francês, que faz alusão aos antigos quartos de vestir femininos da era vitoriana], posei de diabinha e tudo. Olhei para aquelas fotos e vi uma mulher muito bonitinha, muito gostosinha. . Quero propor às mulheres do grupo que também façam um ensaio fotográfico.   Estou fazendo pós-graduação em Gênero e Direito na Emerj para me aprofundar no assunto. Defendo a necessidade de reeducação psicológica do agressor, que também carrega traumas e uma construção nociva de masculinidade. Se meu ex-marido tivesse tido um acompanhamento, talvez o casamento ainda persistisse. Sinto compaixão por ele. Ser mulher nesse mundo é fantástico, temos capacidade de suportar muita coisa."  ♀ A série #DireitoDelas marca o mês do Dia Internacional da Mulher com histórias extraordinárias de advogadas que mostram força para superar adversidades e tocar uma carreira apesar de filhos que demandam atenção constante, de dores pelo corpo, de cicatrizes de abuso causado pelo parceiro conjugal ou mesmo pelo Poder Judiciário.
22/03/2019 (00:00)
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